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Desenvolvimento Sustentável

As preocupações com a questão da sustentabilidade dos países periféricos num nível mundial remontam à década de 60, onde se dava especial atenção ao problema da pobreza nestes países e suas implicações no mercado de trabalho. Era importante, naquele momento, promover o desenvolvimento do potencial humano em prol do progresso destas populações, através do treinamento e qualificação dos trabalhadores para ingressarem num mercado de trabalho estável, que apresentava empregos com todos os direitos trabalhistas assegurados. É através, basicamente, da Teoria do Capital Humano que se dão tais esforços, uma vez que se considerava a educação como um “investimento” e que os avanços educacionais são o ponto de partida para o desenvolvimento econômico de um país.

Deste ponto de vista, considerava-se que a educação (...), servindo de mecanismo principal para a aquisição de habilidades, é vista como uma forma de investimento. Como qualquer outro investimento ela exige um custo inicial, neste caso composto de pagamentos monetários diretos e também renda sacrificada, mas subseqüentemente ela produz uma seqüência de retornos econômicos que e excedem àqueles custos iniciais (Verhine, s.d.).

Esta forma de solucionar o problema da pobreza encontrou terreno fértil para se disseminar, especialmente por trazer embutida uma noção de desenvolvimento que necessitava de conhecimentos específicos e ressaltava o papel da tecnologia (aliada à educação, é claro) como sustentáculo da economia. Ocorre que esta noção, tal como pensada e aplicada àquela época, provocava um problema ambiental de enormes proporções, uma vez que não havia uma preocupação expressa com o meio ambiente, de onde se retiravam os insumos e a matéria prima para promover todo esse desenvolvimento.

Assim, a preocupação com o futuro da humanidade num mundo onde os recursos naturais e o meio ambiente estavam sendo intensamente utilizados, fez nascer outra série de questionamentos em torno da sustentabilidade e perpetuação da vida no planeta. Neste sentido, cerca de duas décadas mais tarde, surge o termo Desenvolvimento Sustentável, que tem suas bases nestas evidências, e se expressa no Relatório “Nosso Futuro Comum”, produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), criada pela Assembléia Geral da ONU de 1983 e presidida por G. Harlem Brundtland. O documento, mundialmente conhecido como “Relatório Brundtland”, partia da preocupação, já existente naquele momento, com o esgotamento dos recursos naturais por conta da degradação ambiental, fruto do uso indiscriminado dos mananciais e matérias-primas como exigência da complexificação tecnológica já bastante perceptível então. Tinha como objetivo:

Propor estratégias ambientais de longo prazo para se obter um desenvolvimento sustentável por volta do ano 2.000 e daí em diante; recomendar maneiras para que a preocupação com o meio ambiente se traduza em maior cooperação entre os países em desenvolvimento e entre países em estágios diferentes de desenvolvimento econômico e social e leve à consecução de objetivos comuns e interligados que considerem as inter-relações de pessoas, recursos, meio ambiente e desenvolvimento... (CMMAD, 1988, p.28).

Percebe-se que naquele momento a tônica era a preocupação com os recursos ambientais, como o “capital físico”, ao tempo em que indicava a forma como devia se dar o uso destes recursos; ou seja, a partir do nivelamento entre “países em desenvolvimento e países em estágios diferentes de desenvolvimento” (idem). Em última instância, segundo aquele Relatório, resguardadas as diferenças culturais, deve haver similaridade entre Primeiro e o Terceiro Mundo em torno de “objetivos comuns e interligados” (id.ibid.), supondo que este processo possa se dar de fora para dentro, com o Terceiro Mundo copiando as soluções que o Primeiro vem adotando, de forma exógena.

A questão que se coloca, então, é: ao adotar esta perspectiva (em que pese os seus princípios serem absolutamente pertinentes), que garantias teremos de estar em consonância com as especificidades das comunidades às quais pensamos atender, sem lhes retirar sua identidade, seus valores, sua cultura enfim?

No nível dos organismos internacionais, uma possibilidade se abre, a partir de 1992, com a formação da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento, a partir de iniciativa da UNESCO e ONU no sentido de repensar a questão do desenvolvimento. Esta comissão era presidida pelo então Secretário Geral das Nações Unidas, Javier Pérez de Cuéllar. O relatório produzido por esta Comissão, chamado “Nossa Diversidade Criadora”, tem a seguinte tese fundamental:

... o desenvolvimento compreende não apenas o acesso a bens e serviços, mas também a possibilidade de escolher um estilo de coexistência satisfatório, pleno e agradável. Em uma palavra, o desabrochar da existência humana em suas várias formas. Os bens e serviços presentes na visão convencional e estreita do desenvolvimento só têm valor porque contribuem para nossa liberdade de viver de acordo com nossos próprios valores. A cultura, por conseguinte, mesmo tendo em vista sua importância como instrumento do desenvolvimento (ou obstáculo a ele), não pode, em última instância, ser reduzida à posição subsidiária de mera promotora (ou freio) do crescimento econômico.(...) O desenvolvimento e a economia são, pois, aspectos da cultura de um povo (Cuellar, 1997, p.21).

Segundo este Relatório, podemos entender a cultura como um terreno onde crescem e “desabrocham” todas as demais ações em busca do desenvolvimento; a cultura é um patrimônio que deve ser colocado a serviço do desenvolvimento, no sentido que este o preserve.

A partir do reconhecimento destes problemas, é fundamental não só assumir-se a necessidade de crescimento econômico, de preservação ambiental e de melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, mas principalmente a existência de um elo sócio-cultural que una as comunidades que estão inseridas nesse processo. Por isso mesmo, entendemos Desenvolvimento Sustentável como sendo baseado em três pilares: crescimento econômico, participação política e consciência ecológica. A cultura é constitutiva a esta visão do desenvolvimento, no sentido de permitir a formação e reprodução de todo o arcabouço que confere identidade aos sujeitos e comunidades em interação.

No que diz respeito ao crescimento econômico, na forma como o Relatório Brundtland assegura, é necessário que haja uma homogeneidade na forma de alcançá-lo, tomando como parâmetro os Estados Unidos da América, “nirvana” ao qual todas as sociedades devem ascender de forma a se alcançar maior eficiência e se reduzir os desníveis significativos entre Norte/Sul, Primeiro/Terceiro Mundo, ricos/pobres, desenvolvidos/em desenvolvimento. Esta premissa, a nosso ver, traz pelo menos dois problemas: O primeiro, que se relaciona estritamente aos movimentos econômicos, ocasionaria economias regionais sempre dependentes do “centro”, embora operando de forma globalizada/articulada num mercado total; o segundo problema está em se negar as especificidades regionais a partir do momento em que o parâmetro definidor é exógeno à comunidade e, com isso, potencializa o desaparecimento de uma cultura no mais das vezes secular. Neste sentido, o crescimento econômico deve ter em mente não só os fatores externos do mercado, mas as condições sob as quais estes fatores devem ser efetivados regionalmente.

A integração das culturas torna-se fundamento, dimensão e finalidade do desenvolvimento endógeno, constituindo-se na negação da uniformização sócio-cultural. Mas a endogeneização do desenvolvimento não significa a negação dos fatores exógenos, pois a identidade cultural de cada nação do Sul pode viver sua própria modernidade, transformando-se sem perder sua configuração original (Layrargues, 1997, p.7).

Em relação à participação política, é fundamental despontar a consciência dos sujeitos sobre sua realidade sócio-político-cultural, para que construam sua cidadania. A partir daí, configura-se como dever destes cidadãos a afirmação de seus direitos, tais como serviços públicos (de saúde e educação, por exemplo), além da necessidade de descentralização do sistema político institucional que lhes faculte fazer parte do processo de tomada de decisões, democratizando as relações políticas num nível mais micro. É claro que esta posição ressalta as dinâmicas sociais regionais e a formação cultural local.

Haverá que ver uma diversidade de experiências do movimento social, sua potencialidade em acumular forças e fazer emergir modelos alternativos de desenvolvimento (Acselrad, 1997, p.16).

Neste sentido, é absolutamente imprescindível que a sustentabilidade esteja aliada às práticas e anseios dos indivíduos, tendo como princípio a valorização da “heterogeneidade cultural e da democratização do controle sobre o meio ambiente.” (idem)

O terceiro pilar sobre o qual está concebido o conceito de Desenvolvimento Sustentável relaciona-se à questão da gestão ambiental como princípio que permitirá, em última instância, a continuidade das condições de trabalho e sobrevivência das populações. A questão da preservação ambiental é, em verdade, o referencial que mudou o eixo de visão sobre o desenvolvimento, e sobre o qual se fundam todos os esforços presentes e futuros de convivência no planeta.

A partir do perigo iminente da exauribilidade dos recursos naturais, a sua preservação passou a ser uma preocupação expressa em nível mundial. Assim, devido a esta nova consciência ecológica são estabelecidas relações entre os sujeitos entre si, e destes com o ambiente, como parte de um mesmo ecossistema.

A perspectiva democrática vê (...) na extensão e no meio ambiente o suporte da diversidade social e ecológica: topografias, ecossistemas, climas, biomas e solos entrelaçam-se com práticas sócio-culturais diferenciadas e diferentes formas sociais de apropriação do espaço (Acselrad, 1997, p.16).

Assim, o Desenvolvimento Sustentável se apresenta como alternativa ao modelo de desenvolvimento convencional, que presumia a dominação da natureza com vistas ao progresso e desafia a sociedade a assumir um papel cada vez mais ativo na vida política, induzindo o fortalecimento do espírito cívico, bem como ampliando a participação das pessoas na vida política da comunidade. Esta talvez seja uma das mais importantes contribuições diretas do Desenvolvimento Sustentável à democracia do século XXI.

 

Contribuição de Martha Rocha em 16/12/2008

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