header-photo

Um novo ciclo?

POR SILVESTRE TEIXEIRA

Um novo ciclo demanda mudanças, transformação e, portanto, requer algumas reflexões, principalmente quando se entende que as transformações nos sistemas sociais não são produzidas apenas por mudanças tópicas e acidentais, especialmente quando são conduzidas de fora para dentro do corpo social. O próprio corpo social, que aqui pode ser denominado genericamente de comunidade, precisa querer as mudanças e se preparar adequadamente para elas. A comunidade precisa estar em "estado de prontidão", como as antigas professoras primárias diziam quando a criança estava apta para ser alfabetizada.

No ciclo da cana-de-açúcar, toda unidade de produção representava um agrupamento humano, um ente vivo, com suas tradições e sua dinâmica característica de geração e produção autárquica de bens e serviços essenciais. Com a atividade petrolífera, as populações migraram para núcleos urbanos e os resultados estão à vista de todos.  Ao mesmo tempo, as expectativas de absorção da população nas atividades petrolíferas se frustraram pelas mais variadas razões, com destaque para o baixo nível de escolarização da esmagadora maioria dos habitantes da região e dos que para lá migraram. Inicialmente isto nem era muito percebido. Pouco a pouco, entretanto, o envolvimento dos moradores da região com a indústria petrolífera foi ficando cada vez mais difícil.

Hoje São Francisco do Conde é um corpo social portador do rico processo de formação social. Hoje São Francisco do Conde é um corpo social clamando por mudanças. Hoje São Francisco do Conde precisa diversificar seus campos de inserção econômica. Hoje São Francisco do Conde precisa retomar sua posição de Portal do Recôncavo, porque os tempos são outros.

Muitos dos saberes tradicionais secularmente construídos passaram a ser entendidos como patrimônio imaterial a ser preservado e isto não apenas por estudiosos, antropólogos e cientistas sociais diversos, mas por organismos internacionais que estimulam sua difusão e transmissão para as novas gerações na rede de educação formal.Lindro Amor

O "lindro amor", por exemplo, não é apenas uma dança, um folguedo. É um pedaço de nossa história, dos tempos em que ainda existia "a missa pedida" em louvor a determinados santos e que, para mandar celebrá-la com pompa, fazia-se uma coleta de donativos. A mesma coisa pode ser dita de quase todos os elementos oriundos de uma cosmovisão de raízes africanas na Bahia, que passam pelo respeito à ancestralidade, à ética, à oralidade, à natureza e um sistema convivial de relacionamento. 

A todos esses elementos será possível associar fatos, técnicas e procedimentos que tiveram relevância no modo de vida dos nossos antepassados do Recôncavo.

Como construíam suas casas? Como eram os alambiques? E a casa de farinha? Como eram feitas as moringas e as panelas de barro?  E as gamelas e tamancos? Será que existem mulungus de cujo tronco eram feitos? A cestaria era riquíssima e com diversos trançados de cipó e palha eram feitos balaios, abanos, peneiras, caçuás, bocapios, muzuás, redes, chapéus etc. Quantas pessoas ainda existem que são portadores desses saberes?

Através do turismo, tudo isto pode ser revivido, não por saudosismo, mas porque são elementos de nossa formação que podem se transformar em novos misteres e novos produtos para um mercado novo e sofisticado.

Tais produtos não precisam ser feitos para as finalidades do século XIX e da primeira metade do século XX, eles podem ter novos e sofisticados desenhos e novos e sofisticados usos como peças de decoração e souvenir. Está-se falando de uma gama de bens e produtos que, superados para os usos tradicionais, podem ganhar valor nas artes decorativas, na arquitetura efêmera, na moda e em outros campos, atraindo visitantes sedentos por viver experiências transformadoras.

Fala-se, aqui, de uma nova dimensão dos saberes tradicionais, agora, associada ao turismo que é um segmento produtivo agregador de valor.

Parece que um novo ciclo produtivo pode estar chegando a São Francisco do Conde através da indústria do turismo e isto merece reflexões para não se cometer novos, e muito menos, os velhos erros.

Este texto é parte integrante do Relatório da Pesquisa "Pescadores(as) e Marisqueiros(as) de São Francisco do Conde e Entorno"

Fonte da Foto: Fundação Cultural do Estado da Bahia

0 comentários:

Postar um comentário